segunda-feira, 12 de julho de 2010

A FUNÇÃO DO PAI NO CASO DO PEQUENO HANS

Para discorrermos sobre a função do pai no caso Hans partiremos do caso Hans (1909), associado à leitura dos “três ensaios sobre a teoria da sexualidade” (1905) e textos que assinalem a questão do complexo de Édipo.
Inicialmente Hans se encontra no que Lacan define como “paraíso” com a mãe, relação dual, imaginária, a ilusão de complementaridade com o corpo da mãe. Nessa relação a criança é objeto de desejo da mãe, é o falo que falta a ela.
Porém há um momento em que se rompe essa relação dual: o encontro com o traumático, o real que faz furo no imaginário. As experiências traumáticas são o nascimento da irmã e as experiências masturbatórias. Elas furam a relação de engodo imaginário, pois defrontam Hans com algo externo ao paraíso, o que acontece quando seu próprio pênis começa a se tornar real, falo como um órgão fora do corpo, e o nascimento da irmã que rompe sua relação de unicidade com a mãe.
A partir desse momento Hans elege um objeto à condição de significante para dar conta da falta simbólica. O objeto fóbico (Cavalo) é uma proteção contra angústia que advém de sua relação com a mãe.
No capítulo IV de “Inibição, sintoma e angústia” (1926), Freud define a fobia como um sintoma substituto para algo que foi recalcado (impulso hostil contra o pai). A fobia de Hans “eliminou os dois principais impulsos do complexo edipiano – sua agressividade para com o pai e seu excesso de afeição pela mãe” (Freud, 1926: 109).
Vale destacar que se para Freud o objeto fóbico “cavalo” aparece como substituto do pai, Lacan dá ao cavalo e aos outros elementos da fantasia não uma função metafórica e sim metonímica, de deslizamento, por exemplo, o cavalo que representa num primeiro momento a mãe, por último o pai e ainda o pequeno Hans.
Segundo Freud (1909: 47), a angústia de Hans possui dois componentes: o medo de seu pai e medo por seu pai: “O primeiro derivava de sua hostilidade para com seu pai, e o outro derivava do conflito entre sua afeição, exagerada a esse ponto por um mecanismo de compensação, e sua hostilidade”. Assim, ele tinha tanto medo que o cavalo o mordesse (que o pai o castrasse), como que o cavalo caísse (morte do pai).
Podemos aqui pensar que a construção fóbica de Hans está estritamente relacionada com a função paterna e que, portanto, é essa função exercida pelo pai que encaminha a solução da fobia. A fobia é uma solução à deficiência paterna através da eleição de um objeto que alça o valor de significante e assim funciona como suplência que sustenta a função do pai real.
A fobia surge, como nos ensina Lacan, por causa da carência do pai real, é porque o pai não funciona como agente da castração que Hans não pode sair da posição Edípica (amor pela mãe e ódio pelo pai). Uma fantasia que ilustra o Édipo de Hans é aquela em que há duas girafas, uma girafa grande e outra amassada, representando o órgão genital da mãe. Na fantasia ele se senta na girafa grande, que representaria seu pai, e com isso ele tomaria posse da mãe.
Lacan analisa que mesmo Hans tendo tomado posse da mãe na fantasia, o pai não reage com raiva. Hans chega a dizer “você deve estar com raiva, você deve estar com ciúmes” (Lacan, 1956-57: 269), mas o pai não reage diante do Édipo apresentado pelo filho.
A fobia se deve, então, a carência do pai real. Segundo Lacan, Hans, filho único, nadava em felicidade. A mãe o cercava de carinhos, tudo lhe era permitido (inclusive ficar no leito dos pais) e o pai não tinha o controle da situação, não apresentava nenhuma ameaça de castração ao pequeno Hans (Lacan, 1956-57: 227). Hans não é frustrado em nada, não é privado pelo pai de seus prazeres: “vemos ao longo de toda a observação o pequeno Hans reagir à intervenção do pai real. Sua colocação na estufa, sob o fogo cruzado da interrogação paterna, mostra ter sido favorável nele a uma verdadeira cultura da fobia” (ibidem, p. 263). Lacan assinala que a fobia de Hans foi intensificada pela ação do pai.
A posição do pai simbólico, como nos diz Lacan, permanece velada, na medida em que ocupa a posição de pai imaginário ao tentar diminuir a culpa de Hans, explicando que sua fobia é uma bobagem, que ele pode olhar os cavalos, que o falo desejado (na mãe) não existe etc.
Lacan assinala que na verdade quem exerce o papel de Pai para Hans é Freud, o “pai superior”, aquele “a quem a palavra se revela como testemunho da verdade”. O pai de Hans diante de seu não-saber o que é ser um pai o demanda a Freud e a partir daí é o professor quem traça o encaminhamento da solução da fobia do menino através das orientações dada ao pai.
Podemos dizer que através da construção de fantasias é que Hans consegue dar conta da castração. Com a fantasia de que um bombeiro “lhe dava um pipi maior” ele supera o medo da castração e soluciona a fobia. O bombeiro que lhe desparafusa, coloca a dimensão do objeto como removível, objeto de troca situado fora do corpo. Com isso o falo se torna significante, aparelhado de uma mobilidade simbólica.

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